O
consumidor está mesmo interessado em ter um elétrico na garagem?
Pesquisa
divulgada pela Nissan 80% dos compradores na América Latina (incluindo Brasil)
teriam um se o preço fosse compatível com o do carro tradicional.
Intenção
de consumo à parte, por enquanto eles só conseguem ganhar espaço no mercado às
custas de fortes subsídios e pressões governamentais. Mas nos salões
automotivos de todo o mundo, só se fala disso.
Na feira
de tecnologia CES 2018, eles marcaram forte presença.
Quando
uma novidade desse tipo chega com tanta força, as polêmicas tornam-se
inevitáveis, assim como o surgimento dos lovers e haters.
Há
motivos para ver o veículo elétrico como algo tão iluminado que pode trazer o
progresso sem emitir tantos poluentes? Sim. Há razões para suspeitar do lado
sombrio de seu discurso “verde”? Muitas.
Entre
fatos e mitos, descubra agora qual é a sua posição nesse futuro cenário de
dominação mundial.
Lado
positivo
Sem barulho e sem fumaça
É
incontestável. O carro elétrico tem potencial para reduzir sensivelmente a
poluição urbana, inclusive a poluição sonora, já que o funcionamento do motor é
muito silencioso.
Mesmo
que no ciclo de geração de energia haja emissão de poluentes e gases de efeito
estufa (queima de carvão, por exemplo), muitas das emissões mais prejudiciais
para a saúde ficarão restritas aos arredores das usinas, bem longe dos centros
urbanos.
De acordo
com a consultoria britânica Ricardo, o automóvel elétrico polui mais para ser
produzido, sobretudo em função da bateria.
Mas isso
é compensado ao longo da vida útil do carro.
Por
exemplo: um carro familiar médio, a gasolina, irá gerar cerca de 24 toneladas
de CO2 durante seu ciclo de vida, enquanto um veículo
elétrico produzirá cerca de 18 toneladas, sendo 46% desse impacto no período da
produção do carro e da bateria.
Se houver
redução das emissões na produção, e também na geração da energia, a vantagem do
veículo elétrico será ainda mais flagrante.
Desempenho
superior
Basta uma volta rápida num carro elétrico
para perceber que desempenho é o ponto forte desse tipo de propulsor.
Está
aí a Fórmula-E que não deixa dúvidas. O que mais surpreende é o alto torque.
Pise
no acelerador e a energia é entregue imediatamente às rodas, sem desperdício,
proporcionando uma experiência de condução realmente esportiva.
Tomemos
como exemplo o Chevrolet Bolt, recentemente testado pela QUATRO RODAS: 0 a 100
km/h em 7,5 segundos, retomada de 40 a 80 km/h em 2,8 s, 60 a 100 km/h em 3,6 s
e de 80 a 120 km/h em 4,7 s.
Vale
ressaltar que o Bolt é um hatch compacto sem maiores pretensões esportivas.
Mesmo
assim, anda quase igual a um VW Golf GTI, por exemplo, e supera com folga o
Honda Civic Si, só para citar duas icônicas versões esportivas vendidas no
Brasil.
Menor custo por km rodado
Em geral, a eletricidade é barata nas grandes
cidades, bem mais que os combustíveis.
Em
função da maior eficiência, estima-se que o custo por quilômetro para alimentar
um elétrico é um terço do que se gasta com um carro a gasolina.
Além
disso, os elétricos não possuem sistema de escape e não precisam de trocas de
óleo.
No
lançamento do i3 no Brasil, a BMW divulgou que o custo por quilômetro rodado é
quase 50% inferior as de seus modelos a combustão.
E
que ele seria 20% mais barato de manter e 15% mais barato para consertar, dada
a simplicidade da sua mecânica.
De
acordo com a agência britânica SUST-IT, que calcula o custo por quilômetro
rodado de todos os veículos, a variação de custo anual de um elétrico no Reino
Unido varia de R$ 1.573 (Hyundai Ioniq) a R$ 3.142 (Tesla X), já convertendo a
libra para nossa moeda.
Entre
os modelos híbridos plug-in, a variação é de R$ 2.061 (Toyota Prius) a R$ 3.229
(Mercedes Classe S). O custo mais baixo dos modelos a gasolina é de R$ 4.085
(Kia Niro). Entre os modelos a diesel, o mais baixo é o de R$ 3.303 (Peugeot
208).
Isso
levando em conta apenas o consumo, sem colocar na conta lubrificantes, seguro,
manutenção e impostos, onde os elétricos também levam vantagem.
Baterias cada vez menores e mais eficientes
A velocidade do desenvolvimento
das baterias é absurda. Vale para seu celular, vale para os carros.
Cada vez menores e mais
eficientes, elas caminham para deixar de ser uma dor de cabeça em termos de
praticidade e autonomia, embora ainda haja questões de custo e reciclagem a
serem resolvidas.
Além disso, há muita pesquisa
sendo feita em relação a baterias e células de combustível.
O material da moda é o grafeno,
uma das formas cristalinas do carbono, assim como o diamante e o grafite.
De acordo com a Samsung, as
baterias de grafeno armazenam 45% mais energia e recarregam cinco vezes mais
rápido que as atuais de íons de lítio. Em breve, o grafeno deverá ser usado nas
baterias de celulares, e depois nas dos automóveis.
Ganhos de escala
Sim, os carros elétricos são
caros e só vendem às custas de subsídios para as fabricantes e bônus para os
compradores.
Mas as montadoras esperam que
os ganhos de escala reduzam cada vez mais os custos, sobretudo das baterias e
outros componentes eletrônicos de apoio, como o sistema Kers (recupera energia
das frenagens).
Algumas fabricantes já estão
considerando produzir as próprias baterias (hoje são feitas por poucos
fornecedores), para reduzir custos logísticos.
Já os motores elétricos são
simples de produzir, mais baratos que os de combustão.
Geradores ambulantes
As pessoas geralmente pensam
nos carros elétricos como sugadores de energia, que precisam ser recarregados a
todo o momento.
Tem seu lado verdadeiro, mas em
tese eles também podem devolver energia para casas, ruas e até hospitais, em
situações de emergência.
Nos projetos de mobilidade do
futuro apresentados por grandes fornecedores, como Bosch e Continental, e
também por montadoras como a Nissan, o veículo elétrico pode funcionar como um
gerador em casos de queda de energia no bairro.
Por sinal, num futuro próximo,
os proprietários de elétricos poderão até usar seus carros para se tornarem
pequenos comerciantes de energia se instalarem carregadores de duas vias,
recarregando suas baterias de madrugada, quando as taxas de energia são mais
baratas, e as vendendo de volta para a rede se forem conectadas durante as
horas de pico.
É claro que isso demandará uma
legislação específica, mas essa estratégia poderá ser uma arma a favor do
equilíbrio geral do fornecimento de energia elétrica.
Lado a lado com autonomia e conectividade
Já se perguntou por que os
carros elétricos sempre estão associados a outros modernismos como direção
autônoma, conectividade, compartilhamento, internet das coisas e inteligência
artificial?
Por vários motivos, as
montadoras consideram que todos esses movimentos da era digital estão
articulados.
“Essa revolução já está
acontecendo, e tudo isso virá de uma vez só”, discursou Hermann Mahnke, diretor
de marketing da GM Mercosul, no último Fórum Direções, da QUATRO RODAS.
O motivo mais importante é que
toda essa eletrônica embarcada demanda baterias com maior capacidade, algo que
os carros elétricos conseguem administrar de forma mais natural.
Além disso, o motor elétrico
não precisa de marchas ou faixa de rotação ideal.
Essa uniformidade de
funcionamento contribui, e muito, para o tempo de reação do computador que
comanda a condução autônoma.
Soluções de carregamento
A facilidade de abastecer o
automóvel em casa, no escritório ou no shopping é um dos grandes apelos dos
veículos plug-in.
Obviamente, as grandes
metrópoles brasileiras ainda não oferecem muitos locais para carregamento, mas
isso é facilmente administrável quando a demanda existir.
Visitas a postos serão coisa do
passado. Ou muito eventuais, em caso de viagens (daí a necessidade urgente de
se criar essa opção em postos de estrada).
O fato é que esse é um dos
entraves mais fáceis de serem equacionados, e pouco preocupa os consumidores na
Europa ou na América do Norte.
A VW mostrou no Salão de
Genebra o CarLa, um robô-carregador, que pode ir recarregando um a um os carros
no estacionamento, por exemplo.
Você chega para trabalhar com
seu automóvel e encontra a bateria totalmente carregada na saída.
E isso pode ter custo baixo, ou
mesmo ser oferecido como cortesia em valets.
Lado negativo
Baixa autonomia e preços altos
Por
mais que venha melhorando a cada geração de elétricos, essa questão ainda é a
que mais afugenta potenciais compradores. Modelos novos prometem mais que os
300 km de autonomia do BMW i3.
O
Nissan Leaf declara 378 km, e o Chevrolet Bolt, 383 km. Ainda é pouco perto dos
613 km do requintado e caro Tesla X. E esses números são obtidos em condições
ideais.
Na
vida real, pode descontar algo entre 10% e 20%. O fato é que não dá para viajar
entre São Paulo e Rio sem uma parada para recarga.
Enquanto
isso não for equacionado, os modelos 100% elétricos ficarão restritos aos
centros urbanos.
Para
viagens longas, é preciso adotar ao menos um híbrido, como o Toyota Prius, que
promete 812 km.
E
os preços? São altos, o que obriga governos a oferecer bônus e isenções para
estimular compradores.
Nos
EUA, o elétrico mais acessível é o minicarro de dois lugares Smart Fortwo, de
US$ 24.250, preço de um Honda Civic topo de linha.
Pelo
que se paga pelo BMW i3 (US$ 44.450), dá para comprar um X3 ou um 430i Coupe,
sem sair da marca alemã.
Emissão zero, mas a geração da
energia será limpa?
Esse é um dos pontos mais controversos da
chamada propulsão limpa.
Se
a comparação for meramente pelo que sai do escapamento, realmente os elétricos
levam grande vantagem, ou mesmo os híbridos, que só usam ocasionalmente o
propulsor a gasolina.
“Mas
o governo precisa pensar no ciclo completo”, afirma Henry Joseph Jr, diretor
técnico da Anfavea, citando o exemplo do motor a etanol, criação brasileira. O
etanol reduz em mais de 70% a emissão de CO2 se comparado à gasolina, contando
o ciclo total do produto, da fabricação ao escapamento.
Pela
sua origem vegetal, a fotossíntese absorve o gás carbônico da queima do produto
que ela própria foi matéria-prima.
Se
comparar todos os gases do efeito estufa, como o metano e o óxido nitroso, a
redução atinge quase 90%.
Etanol
à parte, a grande questão é: como será gerada a energia para abastecer os
elétricos?
Na
China, país que mais aposta neles, 75% da energia vem da queima do carvão, ou
seja, não ameniza tanto a poluição.
Mesmo
na Califórnia, estado americano mais amigável aos elétricos, quase 60% da
energia gerada vem da queima de combustíveis fósseis.
O
Brasil até leva vantagem nesse ponto, pois a maior parte da energia gerada vem
de hidrelétricas.
Mas
deve-se levar em conta que o uso massivo de carros elétricos vai aumentar a
demanda por energia, exigindo grande investimento em infraestrutura na geração
e distribuição.
E
o ideal é que essa demanda seja abastecida por fontes renováveis e não
poluentes.
Caso
contrário, quase não haverá vantagem ambiental na troca da combustão pela
eletrificação.
De onde virá tanto lítio?
“Para
produzir 500.000 veículos por ano, basicamente precisamos absorver toda a
produção de lítio no mundo”, disse recentemente Elon Musk, CEO da Tesla. Hoje,
a Austrália é o maior fornecedor mundial de lítio.
Seguem-se
o Chile, a Argentina, a China e o Zimbábue. Em termos potenciais, o líder é a
Bolívia, mas o governo local é pouco aberto a parcerias de multinacionais na
exploração das reservas.
Assim
como o petróleo, o lítio é um recurso finito, e está se tornando mais caro
devido ao crescimento vertiginoso da demanda.
Isso
não ajuda em nada no barateamento dos (caros) veículos elétricos.
Além
do lítio, as baterias utilizam minerais nobres extraídos de terras raras, como
disprósio, lantânio, neodímio e praseodimínio.
O
nome já diz tudo: terras raras. E sua extração não costuma ser benéfica ao meio
ambiente.
Desafios logísticos
A maioria dos carros convencionais usa peças
feitas na própria fábrica, ou por fornecedores instalados nas proximidades.
É
mais barato construí-los num continente e vendê-los exclusivamente nos
respectivos mercados do que usar uma única instalação.
Para
híbridos e elétricos, ainda não há uma cadeia logística eficiente para obtenção
do lítio e dos metais raros, ou para a produção de baterias nas proximidades de
cada fábrica. Isso encarece e complica o processo produtivo.
E
nenhuma montadora vai poder azeitar essa logística enquanto não souber
exatamente que tipo de bateria será utilizada em larga escala no futuro. De
íons de lítio? De grafeno? Célula de combustível? Ou alguma nova solução
inovadora?
Enquanto
essa logística continua manca, transporta-se muito (e, por tabela, polui-se
outro tanto).
Reciclagem das baterias
Não
há um mercado muito promissor para as poucas empresas que reciclam baterias de
lítio. Só um terço do valor da bateria pode ser recuperado. Ainda é cedo para
dizer que esse é um problema – a quantidade de carros elétricos no mundo ainda
é relativamente pequena, e essas baterias costumam durar uma década, em média.
Aliás,
a reciclagem dos veículos convencionais ainda não é uma maravilha. Mas sempre
fica a preocupação com a toxicidade dos elementos usados nelas, em especial o
cobalto.
Mais
um problema a ser enfrentado por fabricantes e governos.
A
Toyota possui um programa de coleta que destina a outras finalidades as
baterias do Prius, o híbrido mais vendido do planeta.
Mais
interessante do que reciclar é reaproveitar para uso doméstico, pois elas podem
manter até 75% de sua capacidade, mesmo quando ficarem fracas demais.
As
outras marcas que estão entrando nesse mundo também prometem programas
semelhantes.
Pesquisa tirada da
revista “Quatro Rodas”